15 de maio de 2012

O Lixo Do Mundo - Leonard Ravenhill


“Irmãos e irmãs, a autonegação é o princípio ético básico da igreja cristã”. — Dr. Charles Inwood.

 “Agora, interrompo minha conversa com os homens, e volto-me para ti, ó Deus. Neste momento, começo a ter com Deus uma comunhão que nunca terminará. Adeus, meu pai e minha mãe. Adeus, amigos e parentes. Adeus, comida e bebida! Adeus, mundo, com seus prazeres! Adeus, sol, lua e estrelas! Agora, acolho a ti, Deus e Pai! Chego a ti, ó doce Jesus, mediador da nova aliança. Chego a ti, bendito Espírito da graça, Deus de toda a consolação! Agora, chego à glória; à vida eterna! Bem-vinda, mor-te!” “O Dr. Matthew MacKail estava embaixo da forca onde seu primo, Hugh MacKail, estava sendo morto, por causa de sua fé. E ao ver o outro se contorcendo suspenso nas cordas, ele agarrou suas pernas e pendurou-se a elas para que morresse mais rapidamente e com menos sofrimento. E foi assim que Hugh Mac-Kail “com seu doce sorriso juvenil” foi encontrar-se com Cristo. “E assim será minha acolhida”, disse ele: O Espírito e a noiva dizem: Vem”. — A morte de Hugh MacKail, membro da Igreja Reformada da Escócia.

O que vem a ser “o lixo do mundo?” (1Co 4.13). Seria o ventre do mal, onde nasce o crime organizado? Seria o gênio do mal que mobiliza as insurreições internacionais? Ou seria a Babilônia? Ou, quem sabe, Roma? Seria o pecado? Ou será que descobriram em algum lugar toda uma tribo de maus espíritos e deram a ela esse nome? Ou talvez seja uma moléstia sexualmente transmissível?

Se levantarmos mil suposições sobre essa questão obteremos mil respostas, e nenhuma delas estará correta. A resposta certa é exatamente o oposto do que se poderia esperar. Essa expressão “lixo do mundo” não designa homens nem demônios. E não é nada de conotação maligna; é benigna. Não; não é nem benigna: é o melhor que pode haver. Também não é nada material; é espiritual. Não tem nada a ver com Satanás, mas com Deus. E não apenas é da igreja, mas um membro dela. E não apenas um membro, mas o mais santo dela, a mais preciosa de todas as jóias. Paulo diz: “Nós, os apóstolos, somos considerados lixo do mundo”. E logo em seguida ele acrescenta a essa injúria um insulto, e intensifica a infâmia, aumentando ainda mais a humilhação, pois afirma: “(somos) escória de todos” (1Co 4.13).


Quando um homem chega a dizer que é o lixo do mundo é porque não tem mais ambições pessoais; não possui mais nada que alguém possa invejar. Não tem mais reputação — nada mais a zelar. Não possui bens — e, portanto, mais nada com que se preocupar. Não tem mais direitos — e, portanto, não está mais sujeito a sofrer injustiças. Que bendita condição! Ele já está morto — então, ninguém pode matá-lo. E se os apóstolos tinham tal estado de espírito, tal mentalidade, não foi à toa que eles “transtornaram o mundo”. O crente que ainda abriga ambições pessoais deve pensar um pouco nessa atitude dos apóstolos para com o mundo. E o evangelista popular, que ainda não sofreu perseguições e vive segundo os moldes hollywoodianos, devia pensar um pouco sobre o modo de ser daqueles homens.

Então, quem infligiu a Paulo sofrimento maior que o que passou quando recebeu as cento e noventa e cinco chicotadas, sofreu os três apedrejamentos e os três naufrágios?

A rixosa, carnal e crítica igreja de Corinto. Ela estava dividida pela carnalidade e por dinheiro. Alguns deles tinham alcançado a fama e haviam-se tornado importantes comerciantes da cidade. Então Paulo lhes diz: “Chegastes a reinar sem nós”. Observemos o contraste gritante entre o verso 8 e o 10, de 1 Coríntios 4: “Já estais (vós) fartos, já estais (vós) ricos: chegastes (vós) a reinar sem nós”. “Nós somos loucos; nós (somos) fracos; nós, desprezíveis; sofremos fome, e sede, e nudez”. Mas há uma compensação no verso 9: “(Nós) nos tornamos espetáculo ao mundo, tanto a anjos como a homens”.

Depois de tudo isso, não era mesmo difícil para Paulo afirmar que ele era “o menor de todos os santos”. E ele levanta essas verdades para confrontar aqueles cuja fé tinha perdido seu foco central. Aqueles coríntios estavam fartos, mas não eram livres. (Se um homem escapa da prisão, mas ainda tem as pernas presas em correntes, não está livre.) Mas o apóstolo nãoestá aborrecido pelo fato de eles desfrutarem de abundância e ele não ter nada. Ele lamenta que a riqueza tenha resultado em fraqueza de alma. Eles vivem em conforto, mas não têm a cruz. São ricos, mas não conhecem o vitupério de Cristo. Não chega a afirmar que eles não pertencem a Cristo, mas que estão buscando um caminho mais suave para chegar ao céu. E então diz: “Sim, oxalá reinásseis para que nós também viéssemos a reinar convosco”. Se eles estivessem reinando de fato, então Jesus já teria voltado; eles estariam vivendo o milênio, e, como diz Paulo: “Nós estaríamos reinando com vocês”.

Mas quem aceita ser desonrado, desprezado e desvalorizado assim? Essa verdade é revolucionária, e põe em cheque nossa doutrina cristã falsificada. Teremos nós prazer em ser considerados loucos? Será que suportaremos ver nosso nome jogado por aí, difamado?

O verdadeiro cristianismo é mais revolucionário do que o comunismo, embora, naturalmente, não provoque derramamento de sangue. As máquinas do socialismo tentaram terraplanar os “montes” das riquezas, para aterrar os “vales” da pobreza. Pensaram que, dando educação a todos, iriam “retificar o que é tortuoso”, acharam que com um ato do congresso com um mero aceno da varinha de condão da política, iriam introduzir o milênio tão esperado. Mas na Rússia isso implicou apenas na mudança da chefia; o pessoal das camadas inferiores continuam na camada inferior.

Hoje em dia há milhões de pessoas que enriquecem pelo empobrecimento de outros. E Paulo afirma que ele era pobre, mas estava “enriquecendo a muitos”. Graças a Deus que o dinheiro de Simão, o Mago, continua não obtendo nada do Espírito Santo. Se nós ainda não aprendemos a avaliar corretamente as “riquezas de origem iníqua”, como Deus poderá confiar-nos a “verdadeira riqueza?” Então Paulo, que era material e socialmente falido, achava-se incluído entre os seletos relacionados como “o lixo do mundo”. Certamente isso o ajudou a entender que, sendo lixo, seria pisado pelos homens. 

Embora fosse capaz de debater com filósofos, estóicos, epicureus no Areópago, por Cristo estava disposto a ser tachado de “louco”. O antagonismo do mundo para com Jesus é fundamental e perene.

Irmãos, será que temos essa mesma disposição? Nada nos irrita mais do que ser associados a pessoas incultas e ignorantes, apesar de sabermos que o homem que escreveu o Apocalipse era inculto e ignorante. Hoje em dia, estamos contaminados por um terrível mal: os pastores estão mais preocupados em encher a cabeça de conhecimentos do que ter um coração em chamas.

Quando uma pessoa aprecia muito a intelectualidade é melhor que termine os estudos antes de assumir o púlpito. Pois, depois que o assumir, de nada lhe valerão os títulos que puder obter, já que as vinte e quatro horas do dia serão curtas para que apresente os nomes de suas ovelhas perante o “grande Pastor”, ou cumpra a suprema responsabilidade de preparar-lhes o alimento espiritual. As coisas espirituais se discernem espiritualmente (e não psicologicamente). Nem Deus mudou, nem mudaram seus pensamentos. Por desígnio dele, ainda existem verdades que estão ocultas para os entendidos e que são reveladas “aos pequeninos”.

E os pequeninos, meus irmãos, não possuem um intelecto privilegiado. A igreja de hoje está-se gabando do elevado Q.I. dos seus ministros. Mas, antes que alguém se glorie na carne, convém levar em conta que estamos presenciando um dos mais baixos índices de conversões, pois o diabo, irmão Apolo, não se impressiona com sua riqueza verbal.

A linha demarcatória que distingue o crente do homem do mundo é bem definida, bem delineada, mas está totalmente desmoralizada na prática. Os peregrinos de Bunyan, ao chegar à “Feira da Vaidade”, constituíram um verdadeiro espetáculo, pois se achavam em flagrante contraste com o povo mundano em seu modo de vestir, de falar, em seus interesses e senso de valores. Isso ainda acontece hoje?


Durante a última guerra, um general do exército britânico fez a seguinte afirmação:“Precisamos ensinar nossos soldados a odiar, pois se tiverem bastante ódio pelo inimigo lutarão contra ele”.

Nós já ouvimos muita coisa sobre o perfeito amor (embora ainda não tenhamos ouvido o suficiente). Mas agora precisamos também aprender a “irar e não pecar”. O crente cheio do Espírito deve detestar o mal, a iniqüidade e a impureza, e só assim lutará contra essas coisas. Paulo odiava o mundo e por isso o mundo o odiava. Nós também precisamos dessa mesma disposição de fazer oposição.

O evangelista Stanley escreveu “Darkest Africa” (A Face Escura Da África) e o General Booth, fundador do Exército de Salvação, “Darkest England” (A Face Escura Da Inglaterra), em meio a forte oposição. O primeiro falava das florestas impenetráveis, de árvores altíssimas, com seus leopardos à espreita, suas serpentes traiçoeiras e com os espíritos das trevas. Booth via as ruas da Inglaterra com os mesmos olhos com que Deus as via: a lascívia, os esgotos de pecado, a cobiça do jogo, o perigo da prostituição. E então levantou um exército para combater essa situação em nome de Deus. Hoje nossas próprias ruas são campos missionários. Esqueçamos por um pouco que nossa sociedade é civilizada, pois é possível uma senhora elegante, de belas maneiras e voz suave estar tão longe de Deus quanto uma selvagem da tribo Mau-Mau, com seu saiote de capim. Em nossas cidades campeia a impureza.

O crente que passa as noites em frente da televisão, a devanear, está com o cérebro morto e a alma em falência espiritual. E vivendo assim, indiferente à licenciosidade que impera nestes dias, a ponto de não chorar por causa da cegueira que domina o pecador, faria melhor se pedisse a Deus que terminasse logo sua vida terrena. Hoje, cada rua de nossa cidade é um poço de pecado, bebida, divórcio, trevas e condenação. E se alguém tomar uma posição contrária a todos esses males, não deve admirar-se se o mundo o odiar. Se fôssemos do mundo, ele amaria o que era seu.

Paulo declara firmemente: “O mundo está crucificado para mim”. Será que isso é demais para o crente do século XX? O morro do Gólgota recebia muitas visitas de curiosos que ali iam para assistir à humilhação dos malfeitores. E aquilo era uma verdadeira festa; zombava-se do sofrimento. Mas, no dia seguinte, quem eram os primeiros a chegar ao local?

Os primeiros eram os urubus — que iriam bicar os olhos das vítimas, e a carne das suas costelas. Depois eram os cães, que devoravam as pernas e braços dos infelizes. Assim, todo deformado, com as entranhas à vista, o indivíduo era um espetáculo horrendo. E era assim que Paulo via o mundo crucificado — nada atraente aos olhos dele.

Possamos nós também tremer interiormente e repetir, com lábios trementes, a mesma afirmação do apóstolo: o mundo está crucificado para mim. Só depois que estivermos mortos para o mundo com todos os seus prazeres, sua glória fútil e alegrias efêmeras, poderemos experimentar a mesma libertação que Paulo conheceu. Mas a realidade é que nós, os seguidores de Cristo, respeitamos as opiniões do mundo, e buscamos sua apreciação e suas condecorações.

Um moderno crítico da igreja diz que atualmente o deus do crente é o ouro, e o seu credo é a cobiça. Mas graças a Deus que ainda existem algumas exceções a essa regra. E esse bendito homem, Paulo, para quem o mundo estava crucificado, era considerado “louco”. E mais, ele apresentava sua mensagem de tal forma que alguns procuraram matá-lo, pois ele representava uma ameaça para o comércio deles. Esses apóstolos, com todo o seu santo e sadio desdém pelo mundo e pelas pessoas do mundo nos deixam humilhados.

"Eles escalaram a íngreme ladeira para o céu
Em meio a perigos, sofrimento e labor.
Ó Deus, dá-nos a graça
De seguirmos as suas pegadas”.

Muito breve estaremos dizendo adeus à perecível vida terrena e saudando o início da eternidade. Quero desejar-lhe, prezado irmão, uma vida de serviço sacrificial para Aquele que foi nosso sacrifício. Que também nós possamos terminar a carreira com gozo.


Pesquisa e Ilustração: Ir Daniel Martina
Extraído do livro: Porque tarda o pleno avivamento?





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