Devido à grande quantidade de lojas e potências maçônicas espalhadas
pelo planeta, estabeleceu-se uma discussão sobre quem dispunha de autoridade
para reconhecer uma loja ou potência maçônica como regular. Este é um tema
realmente importante, que deve ser esclarecido, face as sucessivas divergências
que costumam ocorrer entre as diversas Lojas e potências: Quem é regular e quem
pode ser considerado maçom?
Estudos
neste sentido vêm sendo realizados, e contam com a valorosa contribuição dos
irmãos: José Vicente Menezes, Hiroito Torres Lage, Alceny José Mendes, José
Wyllen Fontes e Elias Mansur Neto, que elaboraram trabalhos sobre o tema. Com o
propósito de apresentar uma contribuição ainda mais efetiva, recorremos a
outras fontes, que se encontram listadas na relação de autores consultados, ao
final deste artigo.
OBJETIVO:
Fornecer informações sobre Reconhecimento e Regularidade maçônica, de
modo a permitir que cada membro possa avaliar sua a real importância.
DESENVOLVIMENTO:
O
mundo maçônico está dividido em dois blocos. De um lado, estão as potências
Regulares, ou seja, aquelas que possuem a chancela da Grande Loja Unida da
Inglaterra (GLUI) e, do outro, as Irregulares, potências que não reconhecem a
GLUI como instituição reguladora da Maçonaria Universal.
Dentre
as regras de regularidade e reconhecimento que a GLUI tenta impor, algumas têm
origem na maçonaria operativa, mas outras foram criadas após 1717, e tinham por
objetivo submeter as potências da maçonaria mundial sob a tutela daquela
instituição. O critério que a GLUI utiliza para reconhecer uma potência
maçônica é complexo e, por vezes, até incoerente. As contradições são muitas.
Segundo as palavras do ir:. Bartlomeu M. dos Santos, MI, da ARLS
Cavaleiros e Antares:
A Grande
Loja Unida da Inglaterra vê-se hoje obrigada a aceitar que a poderosa Maçonaria
Norte Americana emita Warrants (certificados) de “regularidade”, por tabela. E
tem mais: em situação recente, a Inglaterra retirou o reconhecimento do Grande
Oriente da Itália (dirigido por Virgilio Gaito), e os EUA (1994) o manteve.
Situação semelhante ocorreu na Grécia.
Tal balbúrdia nos
obriga a buscar respostas para as seguintes perguntas:
a) o
que é Reconhecimento e Regularidade?
b)
Quais documentos maçônicos abordam este tema, e quais autorizam uma instituição
maçônica a reconhecer outras?
c) Será que os
critérios de reconhecimento e regularidade estão baseados nos Landmarks?
Ao explorarmos este tão polêmico tema, tentaremos responder a estas e a
outras questões, analisando com profundidade o porquê desta divisão imposta
pela GLUI, de modo a nos certificarmos de sua validade.
Definição de Regularidade e Reconhecimento:
1)
Regularidade: os dicionários fornecem as seguintes designações para este
verbete: “que e ou que age conforme as regras, normas, as leis, as praxes;
relativo a regra”.
2)
Reconhecimento: também segundo o vernáculo: “declarar (um governo)
reconhecido legitimamente; admitir como bom, verdadeiro ou legitimo; admitir
como certo; admitir como legal.”
Para a GLUI, Regularidade e Reconhecimento são
condições distintas: uma potência pode ser regular e não ser reconhecida. Em
contrapartida, se uma potência não for regular, ela não poderá ser reconhecida.
Desta forma, segundo aquela instituição, a primeira providência para o
reconhecimento de uma potência é certificar-se de sua regularidade.
Sede da GLUI em Londres
Documentos Históricos:
Os documentos datados de 1248 a 1782 (Estatuto de Bolonha, Manuscrito
Regius, Manuscritos de Cook, etc.) tratam de assuntos importantes, tais como
comportamento dos maçons no trabalho e no convívio social, processos e prazos
de admissão e permanência como aprendiz, tratamento das viúvas, eleições,
assembléias, etc. No entanto, nenhum deles nomeia qualquer loja ou instituição
que tenha a incumbência de reconhecer uma potência como Regular. É importante
ressaltar que “somente após 1782 é que existem atas e documentos dos quais se
tem conhecimento e certeza de data ou ocasião, autor, objetivo e público alvo”,
e que em nenhum desses documentos há registros sobre qualquer acordo entre
lojas ou potências, informando que uma determinada potência possa ter autoridade
para reconhecer outra.
Reconhecimento e Regularidade na Atualidade:
Para
um melhor entendimento desta questão, tomaremos como referência a Grande Loja
Unida da Inglaterra (GLUI). Estabelecida em 1717, e considerada como a
responsável pelo aparecimento da Maçonaria Especulativa, a GLUI se julga no
direito de controlar a maçonaria em todo o mundo. Aquela instituição inglesa
determinou que o primeiro requisito para o Reconhecimento de uma potência
maçônica é que esta seja Regular. Desta forma, em 4 de setembro de 1929, a GLUI
declarou os seguintes Princípios de Regularidade:
1- A
crença num DEUS revelado; o Grande Arquiteto do Universo.
2-
Fazer juramentos sobre o Livro da Lei.
3-
Trabalhar somente na presença das três grandes luzes: o Livro Sagrado, o Esquadro
e o Compasso.
4-
Abster-se de discussões políticas e religiosas em Loja.
5-
Somente admitir membros do sexo masculino.
6-
Ser soberana no exercício de sua autoridade sobre as Lojas Azuis e seus graus
(aprendiz, companheiro e mestre).
7-
Respeitar as tradições. Ou seja, fazer com que em sua obediência sejam
respeitados os Landmarks, os antigos regulamentos e os usos e
costumes praticados pela Franco-maçonaria.
8-
Ser regular em sua origem, o que pressupõe ter sido obrigatoriamente fundada
por uma potência já constituída, que possua pelo menos três lojas regularmente
consagradas por uma Potência Regular.
E quanto ao reconhecimento? Quais são os critérios? Parece que não
existem critérios estabelecidos para se reconhecer uma loja ou potência. Se
existem, não foram divulgados; e se não foram divulgados, não devem ser
transparentes.
Potências Maçônicas não Reconhecidas pela GLUI:
A maioria das potências regulares do mundo não é reconhecida pela GLUI.
Por exemplo, no Brasil somente são reconhecidas o Grande Oriente do Brasil e
a Grande Lojados estados de São Paulo, Mato Grosso do Sul e Rio de
Janeiro. As demais Grandes Lojas do Brasil não são reconhecidas pela
GLUI. Também não o são todos os Grandes Orientes estaduais da COMAB
no Brasil.
A França possui atualmente treze potências maçônicas, das quais
somente uma é reconhecida pelo GLUI. Detemo-nos por aqui, pois a lista é
interminável. Cabe ainda salientar que os critérios estabelecidos pela GLUI são
também muito complexos, o que torna quase impossível a sua aplicação. Como
exemplo desta complexidade, tomemos o princípio da territorialidade, o qual
determina que somente uma potência por país pode ser reconhecida. Sua
aplicação, na prática é tão controversa que, no território francês, somente a
Grande Loja Nacional da França (GLNF) foi reconhecida, ao passo que nos EUA são
reconhecidas mais de cinqüenta potências estaduais. Diante de tal fato, é
inevitável questionar: por que somente a GLNF foi reconhecida na França?
Existiria alguma regra especial para os americanos, velhos aliados da
Inglaterra?
Os Landmarks:
O Ir. Michael A. Botelho, grau 33, presidente do Conselho de Kadosh de
Arkansas, EUA, afirmou em artigo recente que “saber o que é e o que não é
importante nosLandmarks é uma das questões mais debatidas atualmente.”
Segundo ele, o termo “Landmarks” foi criado por Albert Mackey, em 1865, quando
o eminente escritor declarou: “os antigos e universais costumes da Ordem,
aprovados e implantados pela autoridade competente, vêm de uma época tão
distante que não foi possível localizar registros escritos a seu respeito ao
longo da história”. Assim, Mackey definiu três requisitos básicos dos Landmarks,
os quais continuam a ser adotados até hoje:
1)
universalidade;
2)
irrevogabilidade;
3) existência desde
tempos imemoriais.
Ainda, segundo o ir: Michael Botelho, em 1856, o Dr. Albert Gallatin
Mackey, grau 33, tentou implantar os atuais Landmarks conforme a
ótica de sua época, definindo um total de vinte e cinco Landmarks. Sete
anos mais tarde, em 1863, George Oliver publicou o livro Freemason’s
Treasury, no qual listou quarenta Landmarks. No século passado, algumas
Grandes Lojas americanas se lançaram na difícil tarefa de quantificálos, o que
gerou o seguinte resultado: As Lojas do Estado da Virgínia Ocidental definiram
sete; as Lojas de Nova Jersey a Nevada, dez; e as do Kentuck encontraram
cinqüenta e quatro.
O ir: Joseph Fort Newton, em seu livro The Builders, tentou definir
os landmarks com uma simples declaração: “ A certeza de que Deus é
pai, a irmandade dos homens, a lei moral, a regra de ouro, e a esperança da
vida eterna”. Dentro de uma linha de raciocínio semelhante, encontramos os seis Landmarks listados
por Roscoe Pound:
1- A
crença num ente supremo.
2- A
crença na imortalidade da alma.
3- A
obrigatoriedade de se manter o Livro da Lei no altar da Loja.
4- A
manutenção da Lenda de Iran no terceiro grau.
5- A
manutenção do simbolismo herdado da maçonaria operativa.
6- O
maçom tem de ser livre e de bons costumes.
Como é possível
observar pelo acima exposto, não se sabe com certeza quantos e quais são os
verdadeiros Landmarks, ficando, por conseguinte, muito difícil
adotá-los como referência para se estabelecer critérios de Reconhecimento e
Regularidade.
O Componente Político do Problema:
Algum tempo depois do nascimento da maçonaria especulativa, a antiga e
bem conhecida rivalidade política entre a França e a Inglaterra veio à tona. O
Grande Oriente da França (GOF), seguindo as tradições progressistas de seu
país, e sob a alegação de que não queria discriminar os homens livres e de bons
costumes, retirou de sua Constituição a obrigatoriedade de se crer em Deus para
que um candidato pudesse ser feito maçom. Como conseqüência, o GOF foi
excomungado pela GLUI.
Segundo as palavras do ir:. Bartlomeu M. dos Santos, da ARLS Cavaleiros
e Antares, “a citação da Bíblia como Livro Sagrado foi um dos obstáculos
históricos que provocaram o cisma entre a Maçonaria Francesa e a Maçonaria
Inglesa”. Oswald Wirth complementa-o dizendo que “ os anglo-saxões,
ao exigirem a Bíblia, e somente a Bíblia, negam a universalidade da Maçonaria
e, se encararmos o problema desse ponto de vista, a ‘irregularidade’ está do
lado deles, e não do nosso”. Wirth afirmava ainda:
“Somos obrigados a nos inclinar diante dos fatos. Os anglo-saxões querem
ter sua Maçonaria particular e renunciam ao universalismo proclamado em 1723” .
A maçonaria, não sendo propriedade de ninguém, não pode ser controlada por um
poder central mundial. A esse respeito, Morivaldo C. Fagundes ressalta:
Embora a maçonaria seja universal no sentido filosófico e doutrinário,
não o é administrativamente, pois não possui uma organização mundial única.
Nessas condições, em cada país e muitas vezes, em cada estado membro ela se
organizou soberanamente, com ampla e total autonomia administrativa. O fato
ensejou, como não poderia deixar de acontecer, o aparecimento do fenômeno
político dos reconhecimentos ou tratados de amizade interpotências, em
conseqüência do qual surgiu o discutido e discutível conceito de regularidade
maçônica.
Voltando
à questão do Princípio da Regularidade, analisemos então a sua legitimidade,
segundo o estabelecido pela GLUI:
Os Princípios 1, 2,
3, 4 e 5, anteriormente mencionados, parecem ser oriundos da Maçonaria
operativa; são universais e compatíveis com o que se entende por Maçonaria
Universal. O Princípio 7, que exige respeito às tradições, parece ter sido
baseado nos chamados Old Charges, e o Princípio 6 trata de uma
questão administrativa.
Conforme
os critérios unilateralmente estabelecidos pela GLUI, todas as lojas e
potências do Brasil, que não aceitam mulheres e atuam em conformidade com os
oito princípios estabelecidos por aquela instituição, são regulares. Logo,
a pergunta que precisa ser respondida é: Porque a COMAB (GOMG e demais orientes
estaduais), a GLMMG e tantas outras entidades não são reconhecidas?.Nos
documentos da maçonaria operativa não se encontra nenhum registro onde qualquer
loja ou instituição tenha autoridade para reconhecer outras como regulares.
Esta conclusão também é válida para os documentos produzidos pela maçonaria
especulativa.
Finalmente, vale
ressaltar que a GLUI, ao exigir a adoção da Bíblia como condição indispensável
para que uma Loja ou potência possa ser reconhecida, nega a universalidade da
Maçonaria. De acordo com a tradição maçônica, é a presença, não somente da
Bíblia mas também do Alcorão, ou de qualquer outro Livro Sagrado, que garante a
universalidade da maçonaria. Se consideramos a questão por este lado,
chegaremos à conclusão de que quem é irregular é a GLUI.
CONCLUSÕES:
Em
nenhum dos documentos históricos da maçonaria há registros sobre qualquer
acordo entre lojas ou potências, informando que uma determinada potência possa
ter autoridade para reconhecer outra. Não sabe com certeza quantos e quais são
os verdadeiros Landmarks, ficando, por conseguinte, muito difícil
adotá-los como referência para se estabelecer critérios de Reconhecimento e
Regularidade A maçonaria não é propriedade de ninguém, não pode, portanto, ser
controlada por um poder central mundial.
Uma vez que nem a
GLUI e nem qualquer outra potência tem autoridade para exercer o
Reconhecimento, o fato de ser ou não ser reconhecido por ela ou por qualquer
outra potência do planeta não é significante. O que importa é que cada loja ou
potência esteja ciente de sua idoneidade e espírito maçônico, de forma a poder
reconhecer a si mesma como membro da Maçonaria Universal. O restante vem por
acréscimo.
Autor:
Elias Mansur Neto
Past Master Imediato
da Loja Maçônica Cavaleiros Templários e membro efetivo da Loja Maçônica Cel.
José Persilva.
LITERATURA
CONSULTADA
1. DA SILVA, José
Vicente Menezes.
Regularidade e
Reconhecimento Maçônico - Trabalho apresentado em Loja
2. LAGE, Hiroito
Torres.
A Regularidade e o
Reconhecimento Maçônicos - Trabalho apresentado em Loja.
3. MENDES, Alceny
José.
Reconhecimento e
Regularidade: reconhecendo a certeza da dúvida - Trabalho apresentado em
Loja em 17/10/06.
4. FONTES, Wyllen
José
Da Regularização e
do Reconhecimento Maçônico, de acordo com as Normas da Maçonaria Universal -
Trabalho apresentado em Loja.
5. BOTELHO,
Michael A., gr 32, K.C.C.H.,
Os Landmarks DOS SANTOS, Bartlomeu Martins. Irregularidade,
um aspecto meramente político.
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