31 de dezembro de 2013

A MAGIA DO FINAL DE ANO



“É o despertar da mente superior, manas,  a inteligência livre das aparências,  ágil, eclética, capaz de ver com clareza a mesma verdade essencial em todas as boas religiões, ciências e filosofias.”



O tempo é circular. Tudo o que ocorre ao longo dele é cíclico.  Cada final traz  um novo começo, e o modo como terminamos um ano das nossas vidas ajuda a definir como será, para nós,  o ano seguinte.


Um breve momento é resultado, e semente, de processos imensamente longos.   Segundo a filosofia esotérica, também cada ano que passa é um resumo de toda a nossa vida. O final de cada ciclo é oportuno para refletir sobre nossas vitórias e dificuldades, fazer um balanço – e renovar a decisão de  viver de maneira  sábia.


As quatro estações do ano correspondem de certo modo às quatro grandes etapas de uma vida humana. A segunda metade do inverno é a infância, que prepara a primavera da juventude. Por enquanto, tudo parece ajudar o nosso desenvolvimento pessoal: somos protegidos e educados, e as tendências da natureza conspiram a nosso favor.  


Já na primavera e no verão, que correspondem ao período que vai da juventude à meia-idade, se dão os  grandes desafios e as principais realizações. Depois vem o outono, a primeira parte da velhice, quando é hora de recolher-se ao fundamental e de substituir com a sabedoria acumulada  a  força que falha cada dia mais. O ciclo termina com a  primeira metade do inverno, a  parte final da velhice. Esta é a época da grande renúncia,  da travessia de volta para o todo universal, de onde um dia viemos, e de onde no futuro  poderemos emergir novamente  para  uma outra forma de existência, sem nada lembrar  do ciclo anterior.


O que permite distinguir as quatro diferentes estações é o ciclo anual da distribuição da energia solar.  O sol é a grande fonte de vida material e espiritual em nosso planeta. O futuro de cada força vital depende diretamente da sua relação com ele. Muito mais que uma estrela física, o sol é na verdade o logos solar, a fonte espiritual de tudo o que ocorre em cada um dos seus planetas. Assim, o ciclo da luz solar em nosso planeta também constitui um mapa que assinala a longa jornada de cada alma humana,  com seus períodos de expansão e retração,  crescimento e decadência, morte e ressurreição.


“O ano místico”, escreveu o teosofista Gottfried de Purucker, “contém quatro pontos sazonais, e estas quatro estações, em seu ciclo,  simbolizam os principais eventos no progresso da alma imortal ao longo do caminho iniciático (de expansão da sabedoria). Primeiro, o solstício do inverno, que é chamado de Grande Nascimento e ocorre quando o aspirante faz com que nasça Deus dentro de si, e pelo menos durante algum tempo se mantém em unidade com o mundo divino em consciência e em sentimentos. Este é o nascimento do Buda interior, que surge do esplendor espiritual do sol, ou o nascimento do Cristo místico.”




A palavra solstício, de origem latina, significa “sol imóvel”. No momento máximo do verão, o solstício é o momento em que a luz do sol para de crescer, para voltar a diminuir, abrindo espaço para o outono. Já no auge do inverno, o solstício  indica o momento em que a luz do sol para de diminuir, para voltar a crescer, preparando a primavera. O solstício do inverno é o momento da noite mais longa do ano, a partir do qual o sol passa a recuperar forças. Daí a ideia de nascimento, ou renascimento.  No hemisfério norte, este evento astronômico corresponde ao período do  Natal, porque os  cristãos adotaram para si a antiga Festa do Sol da tradição pagã.


No hemisfério sul, o solstício de inverno corresponde às nossas festas juninas. Nelas, o fogo noturno simboliza a luz do sol vencendo a noite. A imagem corresponde à  primeira grande iniciação. Há  um nascimento espiritual depois de um  longo período probatório em que o buscador da verdade foi duramente testado pela vida. Desperta o Cristo interior, ou seja, a intuição espiritual, a luz de Buddhi. No Novo Testamento, Jesus fala  (para o bom entendedor) da primeira iniciação  ao ensinar: “Em verdade lhes digo que, se não mudarem, e não se tornarem como as crianças, de modo algum entrarão no Reino dos Céus” (Mateus 18: 3-4). A imagem é clara:  o iniciado do primeiro grau é puro como uma criança. O foco da sua consciência nasceu no nível do eu imortal. Sua consciência pode ser ainda como uma criança indefesa, vivendo precariamente e ameaçada por Herodes (o egoísmo circundante); mas já nasceu e está colocada no centro da vida concreta, iluminando todas as coisas.




O segundo grande momento da jornada evolutiva da alma  avançada é simbolizado astronomicamente pelo equinócio da primavera, em que o dia e a noite têm forças e dimensões iguais, durante a fase crescente da luz. A palavra “equinócio” também tem origem latina e significa “noite igual”. No Brasil, o equinócio da primavera abre em setembro  a estação em que tudo floresce.




A terceira etapa se abre com o solstício do verão, que corresponde, no hemisfério sul,  ao nosso  Natal.  Aqui a duração do dia chegou ao seu ponto máximo e começa a abrir caminho para o outono. O  último grande evento do ciclo  é o equinócio do outono, quando a noite alcança o mesmo tamanho do dia, a caminho do inverno que simboliza a morte. Cada inverno, por sua vez, dará lugar a  um novo renascimento.


A visão da jornada da alma humana imortal através de quatro grandes iniciações, até atingir a perfeição, é tão velha quanto a filosofia esotérica – e imensamente mais antiga que o cristianismo. Muitos séculos antes da era cristã,  a filosofia oriental já tinha nomes sânscritos para os estágios superiores do caminho espiritual. Uma quinta etapa, a “ressurreição de Cristo” é, na verdade,  o despertar   já no reino divino – do grande adepto, mahatma,  rishi ou sábio, que  teve sua condição humana “crucificada”, isto é,  se libertou da roda do renascimento obrigatório.  Esta é  a  quinta grande iniciação.


Vale a pena examinar o que ensina a tradição esotérica. A primeira grande iniciação, srotapatti, é marcada pela total ausência de egoísmo no coração do ser humano.  A humildade, simbolizada na linguagem cristã pela pobre manjedoura,  assinala a ausência de orgulho ou egocentrismo. A presença de vários animais em torno do menino Jesus simboliza a comunhão essencial do iniciado com todos os seres. As estrelas no céu mostram que esta unidade fundamental inclui o universo inteiro.  As forças poderosas mobilizadas para uma tentativa de frustrar o seu nascimento simbolizam as provações e testes que a alma deve vencer. Refletem, também, o fato de que uma grande iniciação é um momento de fragilidade e vulnerabilidade, do ponto de vista do mundo externo.


Já a segunda iniciação, sakridagamin, corresponde ao surgimento de um forte intelecto a serviço do coração. É o equinócio da primavera, que traz o predomínio crescente  da luz.  Na vida de Cristo,  corresponde ao momento em que o menino Jesus prega aos doutores no templo (Lucas, 2: 46-49). É o despertar da mente superior, manas,  a inteligência livre das aparências,  ágil, eclética, capaz de ver com clareza a mesma verdade essencial em todas as boas religiões, ciências e filosofias. Para o iniciado do segundo grau,  o pensamento positivo e a ação solidária surgem naturalmente do fato de que ele percebe,  sem qualquer esforço, o total domínio da  Lei do Equilíbrio sobre a realidade aparente, cujas numerosas armadilhas só enganam o ingênuo e o “astucioso”.  Se a primeira iniciação faz  enxergar toda vida do ponto de vista da bondade, a segunda coloca uma inteligência de grande poder a serviço do amor altruísta. É a primavera iluminando o mundo.


A terceira iniciação, anagamin, corresponde, como vimos,  ao solstício de verão. O sol chegou ao  auge e passa a preparar-se  para a sua grande renúncia. Na vida de Jesus, é a Transfiguração (Mateus, l7). Num alto monte, o rosto de Jesus “resplandece como o sol”. Em seguida, ele percebe todo o sofrimento que o futuro lhe reserva, sua própria morte e a ressurreição (Mt l7: 22-23). Ao assumir a iniciação anagamin, a alma toma uma firme decisão de ir até o final no doloroso sacrifício da sua condição humana, sabendo que o processo  culminará na crucificação da sua personalidade ou aniquilação do seu eu inferior, para que possa renascer no mundo divino.


A quarta iniciação, de arhat, corresponde astronomicamente ao equinócio de outono, e, na vida de Jesus, à crucificação. É a chegada da morte, ou inverno, o que possibilitará  o renascimento ou ressurreição além dos limites do universo conhecido. Aqui a alma morre definitivamente para as experiências do reino humano. A quinta iniciação, aseka, corresponde à ressurreição. O adepto, o mahatma, o rishi, o Imortal –  simbolizado por Jesus no Novo Testamento –  ressurge em um reino superior ao humano e  está livre do sofrimento tal como o conhecemos,  mas ainda guia nossas almas no caminho do bem.


Há pelo menos duas conclusões práticas a serem tiradas desta jornada mágica das almas mais evoluídas da nossa humanidade.




A primeira delas é que podemos preparar-nos desde já para metas divinas, mesmo que elas sejam distantes. Esta opção terá efeitos positivos imediatos em nossa vida. No momento atual da evolução humana,  os espiritualistas não-dogmáticos –  capazes de  aproveitar  o que há de melhor em diferentes  religiões, ciências e filosofias – podem preparar-se ativamente para a primeira grande iniciação. Mas não convém ter muita pressa. A ignorância espiritual só desaparece aos poucos, e o processo preliminar  requer, sem dúvida, várias vidas.


Segundo a filosofia esotérica, a alma humana não interrompe seu aprendizado espiritual ao final de uma única existência. Ela  renasce repetidamente para ganhar mais experiência e avançar em direção à luz, até  alcançar  a proficiência – o “adeptado” –  e completar o ciclo evolutivo do reino humano. A cada nova encarnação, o aprendizado espiritual é  retomado no ponto em que se interrompeu na vida anterior, embora  as circunstâncias externas possam ser completamente diversas. 


Depois haverá outra encarnação,  e  outra,  até as várias iniciações. Finalmente  virá a  libertação definitiva  das limitações humanas. Na visão integral e transcendente proposta pela filosofia esotérica,  a  vida no planeta Terra constitui uma única e grande onda evolucionária que faz parte da  vida mais ampla do cosmo. Em nosso  pequeno jardim planetário, as vidas  vegetais estão a caminho do reino animal. As almas dos animais estão a caminho do reino humano. Do mesmo modo,  nossas almas humanas avançam,  lentamente,  em direção ao  mundo divino. Assim é que circula  a luz divina  pelo universo, reciclando eternamente espírito e matéria.


Preparar-se para a primeira grande iniciação, srotapatti, é abrir terreno para o Natal Interior,  isto é, o nascimento de Cristo em nosso próprio coração. Porque, se não encontrarmos o Mestre dentro de nós, “é inútil procurar em outra parte”, como ensina o livro “Luz no Caminho” [2]. Este é o caminho da purificação. É desenvolver a humildade necessária para, primeiro, observar serenamente o movimento do egoísmo dentro de nós, e depois libertar-nos passo a passo do emaranhado de interesses e preocupações egocêntricos, colocando-nos a serviço da verdade e da justiça em todas as dimensões da vida. Assim,  aprendemos a identificar-nos com a vida maior e não com a vida pequena ou os impulsos animais de busca de segurança e fuga das expectativas de dor.


A segunda conclusão prática é que a história do Novo Testamento simboliza a vida de todos nós. De  certa forma, podemos viver  hoje, em  nossas vidas diárias,  amostras pequenas, mas poderosamente inspiradoras, do significado das cinco grandes iniciações. Os mistérios eternos estão sempre ao nosso lado, prontos para a eventualidade de despertarmos, e inspirando-nos em tudo o que é possível. Quem sabe se agora não é o momento?


Ao final de cada ano ou de cada etapa em nossas vidas, seja ela grande ou pequena, podemos fazer um inventário  e perguntar-nos pela nossa capacidade de nascer e renascer a cada dia como crianças livres do passado e  dos processos de  rancor, ódio, cobiça e outros sentimentos negativos. Como vive a criança divina em nosso interior? Ainda sabemos renascer?


É possível antecipar algo da segunda iniciação e avaliar, periodicamente, como anda nossa coragem de buscar a verdade, de olhar a realidade além das nossas opiniões e idéias fixas prediletas, de estudar coisas novas e abrir rumos renovadores à nossa vida intelectual, optando pela inteligência do coração e não pela astúcia da mente egoísta.   É possível, nos  aspectos da vida em que já podemos ver o anúncio do outono e do inverno, tomar uma firme decisão de renunciar a tudo o que não é de fato nosso, e a cooperar com a vida mesmo quando ela não nos beneficia dando coisas agradáveis, mas nos ensina pelo caminho do desapego e do sacrifício. Assim estaremos vivendo, hoje mesmo, uma parcela infinitamente pequena, mas útil, da terceira iniciação.


Podemos avaliar também as várias e dolorosas “crucificações” que já vivemos nesta vida. Quantos desesperos e derrotas? E quantas lições aprendidas? Qual nossa atitude quando experimentamos  crucificações,  traições e injustiças? Permanecemos no território da verdade, da ética e do amor altruísta?  E quantas vezes, depois da tempestade  e da cruz, veio a bonança da ressurreição? Quantas vezes uma nova etapa da vida, primaveril, cheia de promessas e potencialidades, abriu-se inesperadamente diante de nós, apenas porque havíamos sabido sofrer sem ódio ou desespero?  A ressurreição é passagem do ano em um nível mais elevado, assim como o Natal é a promessa da ressurreição total a que nossa alma terá direito um dia.


Por outro lado, o Natal ocorre pouco antes do Ano Novo. Essa proximidade parece refletir sincronicamente o fato de que o nascimento de uma nova consciência, mais sábia, sempre nos abre a possibilidade de um novo começo prático em nossas vidas. Assim, o melhor presépio está em nossos corações e mentes. É ali que acontece, a cada dia, o milagre do nascimento. E da iniciação.”



EVOLUIR SEMPRE - DESISTIR JAMAIS


TFA/PP
Ir.´. Daniel Martina FC


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