“É
o despertar da mente superior, manas, a inteligência livre das
aparências, ágil, eclética, capaz de ver com clareza a mesma verdade
essencial em todas as boas religiões, ciências e filosofias.”
O
tempo é circular. Tudo o que ocorre ao longo dele é cíclico. Cada final
traz um novo começo, e o modo como terminamos um ano das nossas vidas
ajuda a definir como será, para nós, o ano seguinte.
Um
breve momento é resultado, e semente, de processos imensamente
longos. Segundo a filosofia esotérica, também cada ano que passa é
um resumo de toda a nossa vida. O final de cada ciclo é oportuno para refletir
sobre nossas vitórias e dificuldades, fazer um balanço – e renovar a decisão
de viver de maneira sábia.
As
quatro estações do ano correspondem de certo modo às quatro grandes etapas de
uma vida humana. A segunda metade do inverno é a infância, que prepara a
primavera da juventude. Por enquanto, tudo parece ajudar o nosso
desenvolvimento pessoal: somos protegidos e educados, e as tendências da
natureza conspiram a nosso favor.
Já na primavera e no verão, que
correspondem ao período que vai da juventude à meia-idade, se dão os
grandes desafios e as principais realizações. Depois vem o outono, a primeira
parte da velhice, quando é hora de recolher-se ao fundamental e de substituir
com a sabedoria acumulada a força que falha cada dia mais. O ciclo
termina com a primeira metade do inverno, a parte final da velhice.
Esta é a época da grande renúncia, da travessia de volta para o todo
universal, de onde um dia viemos, e de onde no futuro poderemos emergir
novamente para uma outra forma de existência, sem nada
lembrar do ciclo anterior.
O
que permite distinguir as quatro diferentes estações é o ciclo anual da
distribuição da energia solar. O sol é a grande fonte de vida material e
espiritual em nosso planeta. O futuro de cada força vital depende diretamente
da sua relação com ele. Muito mais que uma estrela física, o sol é na verdade o
logos solar, a fonte espiritual de tudo o que ocorre em cada um dos seus
planetas. Assim, o ciclo da luz solar em nosso planeta também constitui um mapa
que assinala a longa jornada de cada alma humana, com seus períodos de
expansão e retração, crescimento e decadência, morte e ressurreição.
“O
ano místico”, escreveu o teosofista Gottfried de Purucker, “contém quatro
pontos sazonais, e estas quatro estações, em seu ciclo, simbolizam os
principais eventos no progresso da alma imortal ao longo do caminho iniciático
(de expansão da sabedoria). Primeiro, o solstício do inverno, que é chamado de
Grande Nascimento e ocorre quando o aspirante faz com que nasça Deus dentro de
si, e pelo menos durante algum tempo se mantém em unidade com o mundo divino em
consciência e em sentimentos. Este é o nascimento do Buda interior, que surge
do esplendor espiritual do sol, ou o nascimento do Cristo místico.”
A
palavra solstício, de origem latina, significa “sol imóvel”. No momento máximo
do verão, o solstício é o momento em que a luz do sol para de crescer, para
voltar a diminuir, abrindo espaço para o outono. Já no auge do inverno, o
solstício indica o momento em que a luz do sol para de diminuir, para
voltar a crescer, preparando a primavera. O solstício do inverno é o momento da
noite mais longa do ano, a partir do qual o sol passa a recuperar forças. Daí a
ideia de nascimento, ou renascimento. No hemisfério norte, este evento
astronômico corresponde ao período do Natal, porque os cristãos
adotaram para si a antiga Festa do Sol da tradição pagã.
No
hemisfério sul, o solstício de inverno corresponde às nossas festas juninas.
Nelas, o fogo noturno simboliza a luz do sol vencendo a noite. A imagem
corresponde à primeira grande iniciação. Há um nascimento
espiritual depois de um longo período probatório em que o buscador da
verdade foi duramente testado pela vida. Desperta o Cristo interior, ou seja, a
intuição espiritual, a luz de Buddhi. No Novo Testamento, Jesus fala
(para o bom entendedor) da primeira iniciação ao ensinar: “Em verdade
lhes digo que, se não mudarem, e não se tornarem como as crianças, de modo
algum entrarão no Reino dos Céus” (Mateus 18: 3-4). A imagem é clara: o
iniciado do primeiro grau é puro como uma criança. O foco da sua consciência
nasceu no nível do eu imortal. Sua consciência pode ser ainda como uma criança
indefesa, vivendo precariamente e ameaçada por Herodes (o egoísmo circundante);
mas já nasceu e está colocada no centro da vida concreta, iluminando todas as
coisas.
O
segundo grande momento da jornada evolutiva da alma avançada é
simbolizado astronomicamente pelo equinócio da primavera, em que o dia e a
noite têm forças e dimensões iguais, durante a fase crescente da luz. A palavra
“equinócio” também tem origem latina e significa “noite igual”. No Brasil, o
equinócio da primavera abre em setembro a estação em que tudo floresce.
A
terceira etapa se abre com o solstício do verão, que corresponde, no hemisfério
sul, ao nosso Natal. Aqui a duração do dia chegou ao seu
ponto máximo e começa a abrir caminho para o outono. O último grande
evento do ciclo é o equinócio do outono, quando a noite alcança o mesmo
tamanho do dia, a caminho do inverno que simboliza a morte. Cada inverno, por
sua vez, dará lugar a um novo renascimento.
A
visão da jornada da alma humana imortal através de quatro grandes iniciações,
até atingir a perfeição, é tão velha quanto a filosofia esotérica – e
imensamente mais antiga que o cristianismo. Muitos séculos antes da era
cristã, a filosofia oriental já tinha nomes sânscritos para os estágios
superiores do caminho espiritual. Uma quinta etapa, a “ressurreição de Cristo”
é, na verdade, o despertar já no reino divino – do grande
adepto, mahatma, rishi ou sábio, que teve sua condição humana
“crucificada”, isto é, se libertou da roda do renascimento
obrigatório. Esta é a quinta grande iniciação.
Vale
a pena examinar o que ensina a tradição esotérica. A primeira grande iniciação,
srotapatti, é marcada pela total ausência de egoísmo no coração do ser
humano. A humildade, simbolizada na linguagem cristã pela pobre
manjedoura, assinala a ausência de orgulho ou egocentrismo. A presença de
vários animais em torno do menino Jesus simboliza a comunhão essencial do
iniciado com todos os seres. As estrelas no céu mostram que esta unidade
fundamental inclui o universo inteiro. As forças poderosas mobilizadas
para uma tentativa de frustrar o seu nascimento simbolizam as provações e
testes que a alma deve vencer. Refletem, também, o fato de que uma grande
iniciação é um momento de fragilidade e vulnerabilidade, do ponto de vista do
mundo externo.
Já
a segunda iniciação, sakridagamin, corresponde ao surgimento de um forte
intelecto a serviço do coração. É o equinócio da primavera, que traz o
predomínio crescente da luz. Na vida de Cristo, corresponde
ao momento em que o menino Jesus prega aos doutores no templo (Lucas, 2:
46-49). É o despertar da mente superior, manas, a inteligência livre das
aparências, ágil, eclética, capaz de ver com clareza a mesma verdade
essencial em todas as boas religiões, ciências e filosofias. Para o iniciado do
segundo grau, o pensamento positivo e a ação solidária surgem
naturalmente do fato de que ele percebe, sem qualquer esforço, o total
domínio da Lei do Equilíbrio sobre a realidade aparente, cujas numerosas
armadilhas só enganam o ingênuo e o “astucioso”. Se a primeira iniciação
faz enxergar toda vida do ponto de vista da bondade, a segunda coloca uma
inteligência de grande poder a serviço do amor altruísta. É a primavera
iluminando o mundo.
A
terceira iniciação, anagamin, corresponde, como vimos, ao solstício de
verão. O sol chegou ao auge e passa a preparar-se para a sua grande
renúncia. Na vida de Jesus, é a Transfiguração (Mateus, l7). Num alto monte, o
rosto de Jesus “resplandece como o sol”. Em seguida, ele percebe todo o
sofrimento que o futuro lhe reserva, sua própria morte e a ressurreição (Mt l7:
22-23). Ao assumir a iniciação anagamin, a alma toma uma firme decisão de ir
até o final no doloroso sacrifício da sua condição humana, sabendo que o
processo culminará na crucificação da sua personalidade ou aniquilação do
seu eu inferior, para que possa renascer no mundo divino.
A
quarta iniciação, de arhat, corresponde astronomicamente ao equinócio de
outono, e, na vida de Jesus, à crucificação. É a chegada da morte, ou inverno,
o que possibilitará o renascimento ou ressurreição além dos limites do
universo conhecido. Aqui a alma morre definitivamente para as experiências do
reino humano. A quinta iniciação, aseka, corresponde à ressurreição. O adepto,
o mahatma, o rishi, o Imortal – simbolizado por Jesus no Novo Testamento
– ressurge em um reino superior ao humano e está livre do
sofrimento tal como o conhecemos, mas ainda guia nossas almas no caminho
do bem.
Há
pelo menos duas conclusões práticas a serem tiradas desta jornada mágica das
almas mais evoluídas da nossa humanidade.
A
primeira delas é que podemos preparar-nos desde já para metas divinas, mesmo
que elas sejam distantes. Esta opção terá efeitos positivos imediatos em nossa
vida. No momento atual da evolução humana, os espiritualistas
não-dogmáticos – capazes de aproveitar o que há de melhor em
diferentes religiões, ciências e filosofias – podem preparar-se
ativamente para a primeira grande iniciação. Mas não convém ter muita pressa. A
ignorância espiritual só desaparece aos poucos, e o processo preliminar
requer, sem dúvida, várias vidas.
Segundo
a filosofia esotérica, a alma humana não interrompe seu aprendizado espiritual
ao final de uma única existência. Ela renasce repetidamente para ganhar
mais experiência e avançar em direção à luz, até alcançar a
proficiência – o “adeptado” – e completar o ciclo evolutivo do reino
humano. A cada nova encarnação, o aprendizado espiritual é retomado no
ponto em que se interrompeu na vida anterior, embora as circunstâncias
externas possam ser completamente diversas.
Depois haverá outra
encarnação, e outra, até as várias iniciações.
Finalmente virá a libertação definitiva das limitações
humanas. Na visão integral e transcendente proposta pela filosofia
esotérica, a vida no planeta Terra constitui uma única e grande
onda evolucionária que faz parte da vida mais ampla do cosmo. Em
nosso pequeno jardim planetário, as vidas vegetais estão a caminho
do reino animal. As almas dos animais estão a caminho do reino humano. Do mesmo
modo, nossas almas humanas avançam, lentamente, em direção
ao mundo divino. Assim é que circula a luz divina pelo
universo, reciclando eternamente espírito e matéria.
Preparar-se
para a primeira grande iniciação, srotapatti, é abrir terreno para o Natal
Interior, isto é, o nascimento de Cristo em nosso próprio coração.
Porque, se não encontrarmos o Mestre dentro de nós, “é inútil procurar em outra
parte”, como ensina o livro “Luz no Caminho” [2]. Este é o caminho da
purificação. É desenvolver a humildade necessária para, primeiro, observar
serenamente o movimento do egoísmo dentro de nós, e depois libertar-nos passo a
passo do emaranhado de interesses e preocupações egocêntricos, colocando-nos a
serviço da verdade e da justiça em todas as dimensões da vida. Assim,
aprendemos a identificar-nos com a vida maior e não com a vida pequena ou os
impulsos animais de busca de segurança e fuga das expectativas de dor.
A
segunda conclusão prática é que a história do Novo Testamento simboliza a vida
de todos nós. De certa forma, podemos viver hoje, em nossas
vidas diárias, amostras pequenas, mas poderosamente inspiradoras, do
significado das cinco grandes iniciações. Os mistérios eternos estão sempre ao
nosso lado, prontos para a eventualidade de despertarmos, e inspirando-nos em
tudo o que é possível. Quem sabe se agora não é o momento?
Ao
final de cada ano ou de cada etapa em nossas vidas, seja ela grande ou pequena,
podemos fazer um inventário e perguntar-nos pela nossa capacidade de
nascer e renascer a cada dia como crianças livres do passado e dos
processos de rancor, ódio, cobiça e outros sentimentos negativos. Como
vive a criança divina em nosso interior? Ainda sabemos renascer?
É
possível antecipar algo da segunda iniciação e avaliar, periodicamente, como
anda nossa coragem de buscar a verdade, de olhar a realidade além das nossas
opiniões e idéias fixas prediletas, de estudar coisas novas e abrir rumos
renovadores à nossa vida intelectual, optando pela inteligência do coração e
não pela astúcia da mente egoísta. É possível, nos aspectos
da vida em que já podemos ver o anúncio do outono e do inverno, tomar uma firme
decisão de renunciar a tudo o que não é de fato nosso, e a cooperar com a vida
mesmo quando ela não nos beneficia dando coisas agradáveis, mas nos ensina pelo
caminho do desapego e do sacrifício. Assim estaremos vivendo, hoje mesmo, uma
parcela infinitamente pequena, mas útil, da terceira iniciação.
Podemos
avaliar também as várias e dolorosas “crucificações” que já vivemos nesta vida.
Quantos desesperos e derrotas? E quantas lições aprendidas? Qual nossa atitude
quando experimentamos crucificações, traições e injustiças?
Permanecemos no território da verdade, da ética e do amor altruísta? E
quantas vezes, depois da tempestade e da cruz, veio a bonança da
ressurreição? Quantas vezes uma nova etapa da vida, primaveril, cheia de
promessas e potencialidades, abriu-se inesperadamente diante de nós, apenas
porque havíamos sabido sofrer sem ódio ou desespero? A ressurreição é passagem do ano em um nível mais elevado, assim como o Natal é a promessa da ressurreição
total a que nossa alma terá direito um dia.
Por
outro lado, o Natal ocorre pouco antes do Ano Novo. Essa proximidade parece
refletir sincronicamente o fato de que o nascimento de uma nova consciência,
mais sábia, sempre nos abre a possibilidade de um novo começo prático em nossas
vidas. Assim, o melhor presépio está em nossos corações e mentes. É ali que
acontece, a cada dia, o milagre do nascimento. E da iniciação.”
EVOLUIR SEMPRE - DESISTIR JAMAIS
TFA/PP
Ir.´. Daniel Martina FC
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